quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Aterro do Bacanga – O atestado do desperdício

Num desses equívocos históricos que costumam surgir no cenário brasileiro com uma frequência irritante, podemos destacar o caso da novela inacabada conhecida como Aterro do rio Bacanga, em São Luís do Maranhão. Obra megalomaníaca arquitetada por um governo de cérebro diminuto, o aterro, como pouca gente sabe, foi idealizado com a finalidade de abrigar um terminal hidroviário, com geleiras e equipamentos para favorecer os pescadores do Portinho (situado no bairro do Desterro) e adjacências. Um longo trecho das margens do rio, desde a Barragem do Bacanga até o Terminal Hidroviário, na Praia Grande, foi aterrado de forma agressiva, há 20 anos.

Contudo, os trabalhadores do mar nunca foram sequer informados a respeito disso. Essa atitude inconsequente de muitos desgovernantes, que se julgam no direito de decidir o destino de toda uma comunidade, sem consulta prévia às pessoas envolvidas, visando saber se elas estão ou não interessadas nas mudanças pretendidas, reflete uma postura autoritária e medíocre, resquício de uma época de triste memória e que precisa acabar.

O primeiro capítulo do assassínio ecológico do rio Bacanga se deu em junho de 1988, quando a Procuradoria Geral da República solicitou um trabalho de perícia, acompanhado de relatório, a pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Participaram da pesquisa o professor Helder Oliveira Ferreira, oceanógrafo, que se encarregou de analisar os efeitos físicos das marés sobre o local, no âmbito da circulação das águas na área do estuário, bem como dos transportes dos sedimentos, e a professora Flávia Rabelo Mochel, formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, com mestrado em Zoologia no Museu Nacional, e que desde 1987 está na Universidade Federal do Maranhão - UFMA como pesquisadora do Laboratório de Hidrobiologia.

O trabalho realizado foi minucioso e incluiu visitas de campo, coletas de informações baseadas em fotografias aéreas, registro da presença de mangue em crescimento, dentre outras abordagens. O resultado apresentado: “Situação dos Ecossistemas encontrados na área do Complexo Hidroviário do Bacanga”, apontava o local como desfavorável para a construção do aterro. O mesmo ponto de vista se encontrava presente no relatório do professor Helder Ferreira.

Baseado nos dados científicos, o Juiz Leomar Barros Amorim embargou a realização da obra. Como era de se esperar, o governo recorreu. O então Procurador do Estado “fez declarações técnicas sobre o assunto sem o devido respaldo científico; isso é um absurdo, e até conseguiram do Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviária – INPH um parecer favorável, afirmando que a navegabilidade do canal não seria alterada. Mas não é isso o que se vê hoje”, conforme afirmou na época a professora Flávia Mochel.

De fato, seu Genésio, dono do barco “Mensageiro Júnior”, que sempre transportou passageiros para Alcântara e Itaúna, trabalhando no ramo há 50 anos, afirma que “o aterro nos prejudicou bastante. O barco agora só sai conforme a maré alta. Por causa disso, os horários mudaram. Tem muito turista que não vai mais para Alcântara por cauda disso. Antes o canal era fundo, mas agora ficou raso. Às vezes temos que atracar no S. Francisco”. Atualmente, o aterro assiste ao crescimento de mato, destruição do sistema de escoamento, alagamento em vários pontos asfaltados e falta de iluminação, o que tem favorecido a marginalidade e o surgimento de atividades de prostituição e consumo de drogas na área.

Mais de 60 milhões de dólares foram solicitados para construir algo que não fizeram. O aterro iria ter sambódromo, kartódramo, dentre outras promessas. A mais séria consequência da obra é de cunho ambiental, tais como a modificação do estuário do Bacanga, assoreamento e erosão, com prejuízo para a navegabilidade. No momento em que o poder público atropela a opinião de especialista e, por puro capricho, exercita a práxis do absurdo, não se torna confiável perante a população. O aterro está lá, feito um cadáver adiado, como no verso do poeta português Fernando Pessoa, esperando a benevolência de alguma ação pragmática, sustentável por parte dos gestores públicos. O governo, mais uma vez, vendeu óculos para cegos.

Foto retirada da Internet

2 comentários:

  1. Estou chocada com esta notícia. Nasci em São Luís na década de 80 e não acompanhei essa discussão, no entanto sempre me questionei "pra que cargas d'água" esse aterro abandonado. Ótima iniciativa esse blog, continue fazendo denúncias, vamos divulgar para conscientizar!

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  2. Embora tardiamente, já que apenas agora tomei conhecimento do artigo, congratulo-me com o autor. Realmente, muito bem aplicada a frase que identifica as baboseiras que o governo faz sem outra finalidade que não extrair alguma vantagem secreta: "O governo, mais uma vez, vendeu óculos para cego". E que se dane a cidade e o povo.
    jrmartins@uol.com.br

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