segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O gênio turista

* Por Antonio Noberto

Um gênio, apegado a estudos culturais, deixou o seu planeta e resolveu procurar um lugar na terra para fazer um tour. Escolheu o Nordeste brasileiro e, neste, como ponto de partida, decidiu-se por São Luís. Chegando ao Centro Histórico da capital maranhense encontrou dois europeus, que residiam na Ilha, um português e um francês, e lhes pediu informações sobre o primeiro capítulo da história da cidade.

O gênio – Qual de vocês aqui chegou primeiro e fundou fortalezas, casas, capelas, criou leis e nomeou a cidade com o nome do seu rei?

O português (indicando o francês com o polegar) – foi ele, amigo.

O gênio – Quem foi que, autorizado pelo papa, no início dos anos mil e seiscentos trouxe para esta Ilha quinze padres franciscanos e aqui fundou o primeiro convento capuchinho do Brasil?

O francês – Fomos nós gauleses, nobre visitante.

O gênio – Quem foi que deixou todo o Brasil setentrional abandonado e não se preocupou em colonizá-lo?

O francês – Foram eles.

O gênio – Quem foi que escreveu os primeiros livros, relatos, crônicas e descrições sobre o povo, a fauna e a flora do Maranhão e toda a região.

O português – foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que aportou aqui convidado pelos legítimos donos da terra, os tupinambás, e viveu em harmonia com eles?

O francês – Fomos nós, senhor.

O gênio – Quem foi que entrou pelos fundos da Ilha, na calada da noite, e se aproximou do Forte principal se escondendo nas matas no lugar conhecido hoje como Fonte das Pedras?

O português – Fomos nós, amigo.

O gênio – Quem dizimou as 27 aldeias existentes na Ilha e promoveu o maior genocídio do Brasil?

O francês – Foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que levou representantes indígenas tupinambás das aldeias do Maranhão para a Europa e fez-lhes grande recepção.

O português – Foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que não cultivou as artes e viveu somente para a guerra e, para isto, sempre utilizando o nome de Deus e de outros santos como forma de legitimação dos seus procedimentos?

O francês – Foi ele, senhor.

O gênio – Quem veio de um país pequenininho, mas que quis metade do Novo Mundo para si e, por conta disto, colonizou mal suas possessões?

O português – Fomos nós, senhor.

O gênio – Quem foi que não investiu em educação, promoveu a política do chicote e ainda levou o ouro do Brasil e deixou a cultura da exploração e do privilégio branco?

O francês – foram eles, mestre.

O gênio – Quem foi que em pouquíssimos dias após se apossar da Ilha, simulou uma fundação e nega a fundação de quem passou três anos?

O francês – Foram eles, meu gênio.

O gênio – Logo, por tudo isso, posso concluir que quem passou para a história brasileira como ambicioso, perverso, pirata e invasor foi você? (apontando para o português).

O português – Não senhor, foi ele!

À vista destas palavras o gênio arrumou as malas e foi para outra cidade do Nordeste.

*Baseado no texto O Rei da criação, de Humberto de Campos

EM RESPOSTA AO ARTIGO

SÃO LUÍS, UMA CIDADE FRANCESA? PAS DU TOUT!


Por: Rafael dos Santos Marques

Ao ler o artigo “O Gênio Turista” na pag. 06 da edição 93 deste jornal, não posso deixar de manifestar a minha indignação. O autor se mostra claramente “franco-cêntrico” e “anti-ibérico”, defendendo os gauleses com garras e unhas, reiteradamente e em vários artigos, como se não tivessem - aliás como todos nós seres humanos – defeitos. Admiro o seu trabalho de pesquisa sobre a presença histórica dos gauleses em nossas terras, mas daí passar a denegrir a imagem dos lusitanos e dizer – indiretamente - que o legado francês é tão quanto (ou mais) importante do que o ibérico é demais! e quase ingênuo.

É bem sabido por catedráticos da história colonial brasileira e até pelos estudantes de primeiro grau que a cultura econômica expansionista européia nos séculos 15, 16, 17, 18, 19 resumia-se a: descoberta e exploração de novas terras. Todos queriam explorar e extorquir as nossas riquezas, cada um com as suas peculiaridades e modos de fazê-lo, porém com o mesmo fim. Os franceses aqui se aliaram aos tupinambá não por serem bonzinhos e desprovidos de preconceito e racismo, mas por mera estratégia de povoamento e exploração dessas terras americanas que eram dos ibéricos, de acordo com o tratado de Tordesilhas.

Não sou historiador nem conheço a fundo a nossa história - sobre qual ainda tenho muito a aprender - mas sou um ludovicense, brasileiro e turismólogo interessado e conhecedor de boa parte das coisas que fazem do Maranhão, o Maranhão; e comprometido com as nossas tradições, com a nossa cultura e com o nosso meio-ambiente. Ninguém nega a importância da passagem dos franceses aqui nas terras setentrionais do Brasil. No entanto, é efêmera, superficial e não passou disso: uma breve passagem. No Rio de Janeiro os franceses permaneceram por bem mais tempo do que aqui e não é por isso que os cariocas se sentem quase descendentes dos conterrâneos de “La Ravardiere”, como o autor cearense. Pelo contrário: quase não lembram disso. Mesma coisa os bragantinos do Pará, cuja cidade também teria sido fundada pelos papagaios amarelos. Os portugueses vieram, se estabeleceram, povoaram e quase exterminaram os nossos índios e levaram boa parte das nossas riquezas sim - como era de praxe entre todos os europeus colonizadores da época -mas deixaram um importante e indiscutível legado na formação histórico-sócio-cultural ludovicense, maranhense e brasileira, que vai muito além do idioma.

Especialmente aqui em São Luís, uma cidade luso-brasileira construída nos moldes das cidades coloniais portuguesas adaptadas ao nosso clima equatorial. A “vila dos pequenos palácios de porcelana” era/é uma urbe tipicamente lusitana e neo-ibérica. Qualquer brasileiro, independentemente da naturalidade, ao pisar as terras de Cabral sente no mínimo um clima familiar. E qualquer ludovicense, ao visitar Lisboa ou o Porto pela primeira vez, tem a sensação de já ter estado ali. Não é por acaso. Um dos maiores símbolos de São Luís, o azulejo, é herança portuguesa, com certeza, que os herdou dos árabes, como os espanhóis.

A nossa culinária, o nosso jeito de falar, os nossos sobrenomes e até o nosso folclore tem todos um pé em Portugal, e aqui se abrasileiraram e se tropicalizaram com a mistura e a miscigenação não vistas em nenhum outro lugar do mundo (o Maranhão é estatisticamente o estado mais mestiço e pardo do país e o Brasil é um país essencialmente mestiço), com os índios nativos e com os negros africanos. Isso porque eles não apenas tentaram exterminar todos os índios: também se misturaram a eles, no sangue e na cultura -por estratégia política ou não - mas é um fato: de todos os europeus colonizadores, o português foi o que mais se misturou com as culturas autóctones e o que mais assimilou parte dessas culturas, ao incorporá-las à sua própria. Até o tupi foi aprendido e difundido em todo o país pelos jesuítas (com claros objetivos de catequização, é claro), virou a “língua brasileira”(nheengatu) – a mais falada pelo povo - até meados do século 18 no centro-sul e século 19 no norte (incluindo o Maranhão), até ser suplantado pelo português.

No entanto, muitos dos seus vocábulos sobrevivem ate hoje na nossa toponímia, nomes de frutas, árvores, bichos, nossa fauna e flora e até expressões populares que tornam o português brasileiro e maranhense únicos. Hem-heim! Isso sem falar nas crendices, lendas, mitos, biotipos físicos, religiões, comidas, danças,costumes que também herdamos dos índios e dos negros. Já da França não temos quase nada. O nome da cidade e talvez “un poquito más”. . Até a fundação de São Luís é controversa. O que recebemos da França não difere do que o resto do Brasil e do mundo recebeu do mesmo país, na época em que exercia uma forte influência cultural em todo o mundo ocidental.

Pois bem, todas as pesquisas feitas por maranhenses ou não sobre a nossa história, cultura e lugar são muito bem vindas; inclusive sobre os franceses, holandeses, libaneses, etc., e nos ajudam também a entender melhor a nossa história e a nossa cultura; mas partir para a xenofobia e discursos repetitivos, românticos em excesso e consequentemente parciais, não. Nem aqui e nem em Paris.

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