sexta-feira, 9 de março de 2012

Memória pra quê?

Sanatiel Pereira

Realmente algumas coisas em São Luís não tomam rumo. Passei meses vendo diariamente, em minha viagem matinal para a universidade, o monumento da Pedra da Memória, abandonado e quase destruído pelos vândalos, ser preterido de um trabalho decente que lhe trouxesse dignidade e estampasse na sua beleza a grande mensagem para o qual foi construído. Dom Pedro, provavelmente agora na sua velhice lá no Céu, não desceria do seu carrossel divino para inaugurar tão assombroso monumento, como hoje se encontra em solo descaracterizado. Acho que não houve inauguração dos serviços de recuperação daquele marco, e se houve, não tive conhecimento. Um dia, quando passava, percebi que tinham retirado o tapume de zinco e pintado o chão ao redor. Sinceramente, confesso que nunca vi ninguém trabalhando naquele local.

Como cidadão do mundo, eu tive a oportunidade de ver monumentos em várias cidades da Europa e das Américas, que louvam a trajetória humana nos diferentes povos e culturas. Cada um enaltece os seus feitos através de monumentos que reproduzem momentos da historia do próprio povo, ou são construídos para enaltecer algum filho ou homem notável que foi responsável por uma mudança significativa no caminhar daquela nação.

Encontramos na maior parte da América Latina monumentos erigidos a San Martin pela sua ação como agente libertador de muitas pátrias do domínio dos colonizadores. Em Curitiba encontrei uma pequena praça arborizada de pau d'arco com um busto de San Martin. É um espaço, que embora pequeno, é digno. Em todos os monumentos percebemos pela grandeza e expressividade, que os governantes não pouparam recursos para fazer um símbolo digno do homem que ele foi. Em Paris existe um local destinado a heróis sul-americanos onde novamente encontramos lado a lado San Martin e Garibaldi. Um monumento riquíssimo e exuberante. Este é um paço nobre onde percebemos o respeito e a consideração que os franceses têm por estes homens que fazem parte essencial da história da humanidade. Cabe aqui lembrar, que San Martin morreu na França, e somente depois os seus restos mortais foram transladado para a Matriz de Buenos Aires, na Praça Rosada, onde é honrado até hoje em um monumental esquife rodeado de aparatos e da bandeira daquele país.

Os monumentos existentes em São Luís estão em ruínas, como estão as nossas memórias. O primeiro fato histórico da decadência e desrespeito aos nossos homens notáveis aconteceu na depredação e retirada dos bustos da Praça Deodoro; aquela que deveria ser a praça da cultura e da tradição. Os monumentos, de fato, estão pedindo arrego para os que por eles passam. Quase nada digno temos para mostrar aos turistas, que chegam de lugares longínquos da Terra, para ver uma fonte construída pelos holandeses, ainda no século XIX, completamente abandonada. Irra! Diria minha amada professora de português Niela, que ainda guardava, em seu sotaque, traços nítidos da língua mater.

Mas, voltando ao Caís da Sagração, onde encontramos a Pedra da Memória, quedo-me a pensar que na construção do piso que lhe rodeia, no primeiro nível, deveria ter sido utilizado um material que lhe acompanhasse o valor histórico e, se não o rodeasse de mármore de Carrara, pelo menos, de pedra portuguesa, porque do material que foi confeccionado ofende a dom Pedro II, São Cosme e Damião e todo o povo ludovicense. É triste levarmos algum visitante a esse lugar e percebermos, em seu semblante, o desapontamento diante da forma como tratamos os nossos monumentos.

Vale a pena lembrar que na Bahia, particularmente em Salvador, encontramos não só monumentos isolados, mas prédios, que hoje compõem o seu rico acervo arquitetônico, construídos pelos fidalgos e homens de fortuna da época da colonização, totalmente restaurados e conservados. Dessa forma, conclamamos àqueles que honram a sua estirpe e a riqueza que obtiveram na exploração da terra gentil, que se dignem a dar uma relevante contribuição, mostrando, através do seu exemplo, como se deve recuperar e restabelecer a dignidade de um monumento histórico. O valor é irrisório, mas a ação incomensurável.

Espero que não tenhamos que buscar, expondo a nossa falta de vergonha, nos países que nos colonizaram, os recursos para estabelecer uma política de preservação e proteção dos nossos monumentos, pois se isso ocorrer, pelo lado deles, tenho quase certeza, lamentarão ter aportado as suas caravelas por estas bandas, dando origem a um povo divorciado da sua herança cultural e, dessa forma, da sua própria memória.

Oxalá, isso não aconteça, como gosta de se expressar João Balanceia, notável sambentuense, no seu alter ego, digno e impecável, de nobre com brasão, que honra a sua origem portuguesa. Oxalá!


Engenheiro, professor da UFMA, membro da Academia Sambentuense

2 comentários:

  1. Tive a mesma impressão quando passei por lá... Do mal o menos, que o pintassem de branco.

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  2. Caro Sanatiel,
    Você está repleto de razões. Infelizmente nossos políticos, de um modo geral, e representantes do povo no governo, em particular, não estão nem um pouco preocupados com o que ocorre de ruim em nossa capital - para não falar no estado. A reboque, a comunidade ludovicense perdeu o pouco que possuia de respeito à tradição e cultura legítimas que ainda persistiam ao longo dos anos. Pelo que se perecebe, o que mais desejam os proprietários de imóveis históricos é vê-los tombados (no sentido de derrubados), para no local edificarem prédios novos ou, no mínimo, utilizarem a área para estacionamento de carros. Que se dane o título de Patrimônio Histórico Mundial! devem pensar. Vivo sonhando com a possibilidade - cada vez mais remota - de um dia ainda desfrutar um pouco mais do que foi na minha adolescência essa nossa bela e única São Luís do Maranhão. Não desista, pois, de continuar a denunciar os inúmeros absurdos que cometem nossos representantes. Quem cala consente. Só nosso brado será capaz de algum dia reverter essa lamentável situação.

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