quarta-feira, 21 de março de 2012

O abandono da Praça de Santo Antônio ou a espera de um milagre

Fachada da igreja de Santo Antônio apresenta degradação
Todos os domingos, às 11 horas da manhã, religiosamente, o prefeito de São Luís, João Castelo, assiste à missa na igreja de Santo Antônio, Centro Histórico de São Luís. Cumpridor de suas tarefas espirituais, Castelo talvez não tenha tempo ou disposição para ver o que muita gente enxerga, o abandono da praça na qual a igreja que ele frequenta se encontra instalada. As ruas que a emolduram estão esburacadas, a iluminação é precária, falta segurança (o espaço, durante o dia, abriga jovens que se embriagam e, à noite, fica entregue a desocupados), e a sujeira se espalha a olhos vistos. Trata-se de mais um cartão postal às avessas na cidade patrimônio cultural da humanidade.

Será que São Luís ainda merece esse título? A indignação toma conta de ludovicences que amam a cidade, e se relacionam com ela de forma passional, alimentados por lembranças de tempos menos insensíveis. Na praça de Santo Antônio foi erguido, em fevereiro de 1625, por padres franciscanos, o Convento de Santo Antônio (que hospedou o papa João Paulo II, quando da sua visita a São Luís), o qual possuía uma capela anexa, denominada de Senhor Bom Jesus dos Navegantes. Ali o padre Antônio Vieira proferiu o famoso "Sermão de Santo Antônio aos Peixes", no qual desferiu, através de ácidas metáforas, uma incisiva crítica à sociedade abastada da São Luís de então. Vieira se utilizou dos nomes de vários peixes para se referir a alguns figurões que assistiram ao seu sermão. Ele se referiu aos peixes voadores (representando a ambição, presunção), aos peixes roncadores (referindo-se à soberba, ao orgulho), aos peixes pegadores (os parasitas, que vivem na dependência dos grandes, e morrem com eles), dentre outros.

Ruas esburacadas integram o cenário da praça de Santo Antônio
O local é detentor de grande importância histórica. Nos jardins do convento aconteceram as reuniões que antecederam a Revolta de Beckman, em 1684. Um episódio surrealista da nossa história também aconteceu ali. Trata-se do famoso ‘Processo Contra as Formigas’, no qual os frades teriam denunciado as formigas que danificavam os alicerces da construção do lugar e que roubavam alimentos da despensa do convento. Em 1838 foi criado o Seminário Episcopal de Santo Antônio, conferindo nova prosperidade ao convento, que culminou com a construção da igreja de Santo Antônio, inaugurada com grande pompa em 20 de janeiro de 1867. A igreja, atualmente, carece de reformas, a fachada está com o reboco em frangalhos, a pintura está gasta, e até o mato já toma conta da cruz que a encima. Lamentável.

Na praça, também se encontra instalada a tradicional Escola Modelo Benedito Leite, Unidade Escolar da Rede de Ensino Público Estadual que, de modelo, já não tem nada. Está, como se costuma dizer no Maranhão, em petição de miséria. Aqui se verifica a grande omissão do estado para com a educação e para com o patrimônio histórico de São Luís. Defronte à escola se localiza a Casa do Estudante da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. O prédio está caindo aos pedaços, faltam algumas janelas na fachada do imóvel que, sem infra-estrutura alguma, já deveria ter sido fechado pela Defesa Civil. Degradante. O prédio serviu de residência a um ilustre maranhense, Antônio Lobo, um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras.
 
Antônio Lobo nasceu em São Luís a 4 de julho de 1870. Atuou no meio intelectual da capital do estado como professor, jornalista e escritor (ensaísta, poeta, romancista e tradutor). Exerceu os cargos de Oficial de Gabinete do Governo do Estado, da Biblioteca Pública Benedito Leite, do Liceu Maranhense e da Instrução Pública. Juntamente com Fran Paxeco, Ribeiro do Amaral, Barbosa de Godois, Corrêa de Araújo e outros intelectuais, fundou no dia 10 de agosto de 1908 a Academia Maranhense de Letras. Reuniu em torno de seu nome os mais importantes escritores da época. Na praça, sobrevive o busto de Antônio Lobo, e a sua figura imponente, com uma austera expressão, do alto do pedestal no qual repousa, parece cobrar das autoridades uma atitude digna para com o logradouro público em frente ao qual morou.

Casa em que morou Antônio Lobo se encontra em estado deplorável
Talvez, se o padre Antônio Vieira vivo fosse, talvez acrescentasse ao seu incisivo sermão alguns novos espécimes de peixes. Na pregação de Vieira não faltariam os peixes cegos, surdos, mudos, e ainda os peixes indiferentes, incompetentes, os peixes escorregadios, gelatinosos e, talvez, os mais daninhos de todos, os peixes omissos. Essa omissão para com a cidade é criminosa, absurdamente criminosa. Qual a razão para tudo isso?

Talvez o padre Vieira ainda nos dê uma resposta: “Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar...”. Se o sal é insípido ou se os peixes são cegos ou omissos, isso não faz muita diferença para o patrimônio histórico de São Luís. O certo é que a praça de Santo Antônio continua esperando o milagre de uma restauração, com peixe ou sem peixe, salgado ou não...

Autor: Paulo Melo Sousa

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