quarta-feira, 18 de julho de 2012

Bustos do Panteon: um assunto recorrente

Por Jomar Moraes

Apedeutas dos mais diversificados matizes, graus e quadraturas, tão visceralmente apedeutas que lhes falta a consciência de que o são, fato que de modo algum os dispensa de serem, insistem, persistem e não desistem de (aí vai o primeiro neologismo) apedeutar sob a desculpa ou o pretexto de estarem defendendo esta nossa pobre cidade tão mal e porcamente cuidada pelos mandatários eleitos e pagos para administrá-la com o mínimo de zelo, competência e vergonha.Pobre e desditosa cidade também vítima do vandalismo de muitos de seus habitantes.

Alguns desses habitantes, que além de apedeutas e mentecaptos, apresentam-se travestidos de zelosos defensores de São Luís, embora não protestem contra o roubo de azulejos de nossos casarões, nem lamentem a indecente e malcheirosa poluição de nossas praias, nem critiquem as tábuas de pirulitos em que se transformaram nossas vias públicas, dizem-se muito incomodados com a ausência dos bustos da Praça do Panteon. E já que estamos na citada praça, esses mesmos apedeutas e mentecaptos jamais protestaram contra o fechamento, por mais de dois anos, da única Biblioteca Pública da cidade, e que passa por uma recuperação executada a passos de cágado. E por haver usado a palavra que por último recebeu um ponto continuando, imaginemo-la sem o acento agudo e, em consequência, transformada de proparoxítona em paroxítona. Com mais uma pequena operação mental, mudemos-lhe o gênero, fazendo-a feminina, e teremos o estado geral e permanente da tal Praça do Panteon: suja, imunda mesmo, visualmente poluída, abandonada, degradada e literalmente cag-da.

É nesse espaço cujo estado de completo abandono a todos nós nos envergonha, que apedeutas e mentecaptos insistem em ver os bustos colocados. Pois saibam todos que os bustos foram retirados desse logradouro atualmente rebaixado a uma condição vexaminosa, graças à ação tempestiva da Academia Maranhense de Letras, legitimamente representada por mim, que à época era seu presidente, e por mais 13 confrades.

Na tarde do dia 11 de agosto de 2005 (portanto, há quase sete anos completos), após uma reunião na Academia em que o assunto principal foi a precária situação dos bustos da Praça do Panteon, de onde haviam já roubado o busto de Humberto de Campos e uma grande e bela placa junto ao busto de Corrêa de Araújo, elaboramos e assinamos uma exposição de motivos dirigida ao Dr. Tadeu Palácio, então Prefeito de São Luís. Nessa mesma tarde fomos em comissão levar o documento ao Prefeito, que gentilmente nos recebeu em seu gabinete e, após atentamente ouvir nossa manifestação pela voz do acadêmico José Chagas, além de receber o conjunto de fotografias que documentavam o estado deplorável da praça, indagado se tinha condições de manter vigilância permanente e eficaz daquele espaço, respondeu-nos francamente que não.

Diante disso, postulamos a solução imediata de evitar que os bustos remanescentes fossem roubados, a exemplo do que já acontecera com o busto de Humberto de Campos e a placa sob o busto ao poeta Corrêa de Araújo. Ali mesmo e ato contínuo o prefeito adotou a providências que resultariam na retirada, logo na manhã seguinte, de todos os bustos, que foram recolhidos a lugar seguro e passaram a ser objeto dos cuidados de restauração.

Na tarde/noite de 24 de outubro de 2007, o mesmo prefeito Tadeu Palácio,na companhia de auxiliares seus e presentes alguns acadêmicos, entre os quais Ceres Costa Fernandes e eu, fez a solene entrega à cidade, sob o nosso testemunho agradecido, dos bustos restaurados e acrescidos do busto do escritor Josué Montello, embora, lamentavelmente com o busto de Humberto de Campos ausente, por motivo de roubo. Todos esses pequenos e venerandos monumentos acham-se, desde então, devidamente expostos, porém resguardados de roubos e outros malefícios nos jardins internos do Museu Histórico e Artístico do Maranhão, imponente conjunto arquitetônico situado parte na rua do Sol e parte na rua de São João, sem prejuízo, porém, de ser, como de fato é, uma só e ampla unidade imobiliária.

Essa história, já a contei aqui por mais de uma vez, e desde agora aviso que sempre estarei disposto a recontá-la quantas vezes necessário for. Intriga-me, porque ainda não consegui atinar para o motivo por que os bustos preservados da degradação a que estavam submetidos na Praça do Panteon, tanto incomodam apedeutas, mentecaptos e outros imbecis. Serão eles agentes ou prepostos dos donos de fundições que praticam o crime de receptação de bronze? Ou serão meros espíritos de porco, empenhados em ver a cidade cada vez mais agredida e criminosamente danificada?

Insisto nas perguntas, porque elas verazmente me intrigam. Por que os bustos, tratados com zelo e dignidade nos jardins do Museu Histórico o Artístico do Maranhão, tanto incomodam apedeutas e mentecaptos? Qual a razão de esses mesmos indivíduos desejarem que os bustos sejam removidos do local onde gozam de respeito, incolumidade e segurança, para um espaço conspurcado por dejetos e outras imundícies? Seria pelo torpe motivo de que se comprazem em ver os monumentos representativos de Gomes de Castro,Teixeira Mendes, Urbano Santos, Maria Firmina dos Reis, Bandeira Tribuzi, Arnaldo Ferreira, Silva Maia, Coelho Neto, Gomes de Sousa, Clodoaldo Cardoso, Henriques Leal, Artur Azevedo, Corrêa de Araújo, Raimundo Correia, Dunshee de Abranches e Nascimento Moraes rebaixados à mais infame degradação na verdadeira cloaca em que se transformou a hoje impropriamente chamada Praça do Panteon?

Rápida consulta aos dicionários Aurélio e Houaiss, dos mais autorizados de nossa língua, informa-me que não existe o verbo bustificar, que aqui comparece como outro neologismo, talvez estapafúrdio, mas para exprimir a ação de colocar bustos. E que, na infeliz hipótese de retornarem os bustos à chamada Praça do Panteon, sem que ela esteja devida e eficazmente policiada e posta a salvo de vândalos e outros malfazejos, e mais: sem que ela haja passado por completos reparos e higienização, essa hipotética volta, de infeliz lembrança, nas condições atuais, não seria uma bustificação. Seria, com todas as vênias, pedidos de desculpa e de perdão aos olhos e ouvidos mimosos, suscetíveis e, por isso mesmo, propensos a desmaios e delíquios verdadeiros ou meramente espetaculosos, reitero, com todos os tarrabufados e salamaleques possíveis: nas condições atuais da impropriamente denominada Praça do Panteon, um retorno desses monumentos representaria, não uma bustificação da praça, mas uma bostificação dos bustos.

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