quinta-feira, 24 de julho de 2014

LUTO NA LITERATURA: "Tudo que é vivo morre" diz Ariano Suassuna


Ariano Suassuna tinha mais medo de gente que de fantasma e a morte não lhe causava temor. Era herói diante dela. Ria ao falar de Caetana - como a morte costuma ser chamada na Paraíba. Para ele, era uma dama bonita e carinhosa que vinha para cortejá-lo às vezes, mas sempre havia um acordo de adiamento, afinal O jumento Sedutor, que precisava ser terminado. “Sou paraibano e não gosto de confessar que tenho medo. Eu conheço a palavra ‘medo’, porque li no dicionário, mas não sei o que é não. (…) Eu só me contento de encarar a maldita Caetana se ela vier na forma de uma mulher acolhedora, carinhosa, bonita e amante.” Caetana, porém, chegou no fim da tarde de ontem e levou Suassuna, aos 87 anos, para algum reino fantástico que ele, possivelmente, já imaginara.

Ele esteve em Brasília para receber homenagem durante a II Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em abril deste ano. Foi aplaudido de pé ao entrar no auditório do Museu Nacional, onde prendeu a atenção do público durante a aula-espetáculo que, como todas as outras que fez durante a vida, teve por mote a valorização da cultura popular. Ariano reivindicava nas palestras o Brasil como berço de sua própria manifestação cultural.

Caminhando lentamente, após um cuidadoso café da manhã e de se abastecer de remédios, Ariano seguiu em direção ao que seria a última entrevista para o Correio, dos Diários Associados. Falou sobre o andamento do livro, que seria acrescido do episódio do infarto, que sofreu em agosto do ano passado. “O texto já está pronto. Estou fazendo mudanças e colocando ilustrações que são todas feitas à mão. O livro também é escrito à mão. Eu só tenho prazer de escrever à mão.”

O escritor e dramaturgo não tinha pressa para produzir. Escrevia e reescrevia várias vezes. Era um processo lento do qual se orgulhava. O romance d’A Pedra do Reino, por exemplo, levou 12 anos para ser concluído. Gostava do corpo a corpo com o livro e preferia não limitar a própria literatura, que considerava fantástica demais. “Quanto ao uso de figuras reais no meu livro, como minha literatura é muito fantástica, isso contribui para prender um pouco o universo do livro à realidade e dar uma certa credibilidade (risos).”

A conclusão do romance O Jumento sedutor foi adiada várias vezes, durante 30 anos. Sempre havia um fato novo para incluir, personagens novos que surgiam. “Estou cansado de marcar data. Desse jeito vão dizer que sou mentiroso e vou acabar desmoralizado. Ainda mais agora, que não faço mais nada a não ser completar 80 anos”, contou em 2005.

Membro da Academia Brasileira de Letras, onde ocupava a cadeira 32, Ariano eternizou nos livros encantamentos da infância, como a chegada do circo no sertão. “Bastava eu ficar sabendo que o circo havia chegado na cidade para aquele cotidiano cinzento se transformar. Era um acontecimento maravilhoso, mágico. O meu campo de vista se abria para outro universo, mais rico, mais festivo, mais bonito”, disse o dramaturgo em entrevista em1997.

Nada na obra de Suassuna é por acaso. O circo, do ponto de vista do teatro, por exemplo, foi também foi a primeira grande influência de Ariano. No picadeiro assistiu as primeiras peças, melodramas como O terror da Pedra Morena e A ladra. O Brasil ficou menor sem o escritor. 

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