domingo, 4 de dezembro de 2011

Beija- flor e o samba dos versos de pé quebrado

Acabo de tomar conhecimento da letra do samba enredo da Escola de Samba Beija- flor de Nilópolis, para o carnaval 2012, que irá homenagear os 400 anos de São Luis do Maranhão, sob o título: São Luis- poema encantado do Maranhão.

Os 30 versos produzidos por 12 compositores me fazem sentir um misto de descrença atônita e incapacidade para elucidar o que verdadeiramente estão a querer homenagear.

São versos obscuros, vazios, desconexos e sem estilo poético. Se a intenção é homenagear os 400 anos de São Luis para o Brasil e para o mundo, esqueceram o mais importante: apresentar a cidade e o seu povo.

Surrupiaram a referência de Daniel de La Touche- Senhor de La Ravardiére, seu fundador. Esqueceram de contar que em 1612, os franceses aportaram em São Luís e se extasiaram com tudo que viram nessa ilha. Embora, mais tarde, fossem expulsos pelos holandeses, também expulsos pelos portugueses que se mantiveram até a nossa independência.

Esqueceram de ressaltar o legado português – seu centro histórico – que a levou á categoria de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO.

Socorro!!! Esqueceram os Timbiras e os Tupinambás. Esqueceram de destacar a forte e significativa presença dos negros trazidos da África, responsáveis na edificação da cidade, na miscigenação da raça brasileira, sua cultura, seus costumes, o sincretismo religioso, a sua grande influência na gastronomia, na música e nos seus ritmos de percussão. Esqueceram o rodopio e a pungada da coreira no ritmo do Tambor de Crioula- Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil, pelo Iphan.

Esqueceram dos tons azuis de azulejos que ornam as fachadas dos prédios coloniais. Esqueceram o deslizar de nossos pés nas pedras de cantaria, trazidas de além mar. Esqueceram ainda de ressaltar os nossos mirantes, marca dos sobrados coloniais.

Cadê os nossos artistas. Também não souberam contextualizá-los. Porque não homenagearam o nosso saudoso poeta, João do Vale, por meio de sua expressão maior, naquilo que ele melhor soube fazer: a poesia. Ao invés de homenagear um João, sem referência. Poderiam ter entremeados trechos do “carcará pega, mata e come”, tão oportuno e atual, haja vista os escrachos de nossa política.

Poderiam ter lembrado os versos do poeta maior, Gonçalves Dias, em “as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

Pensaram em fazer poemas, mas esqueceram de pedir licença ao nosso poeta gênio contemporâneo, Ferreira Gullar ( Poema Sujo) obra prima escrito no exílio e que retrata a sua alma e o seu sentimento por São Luis do Maranhão.

E, assim, esqueceram a sua história, sua cultura, sua referência literária, berço de notáveis escritores de séculos passados e contemporâneos. Razão de já ter sido cognominada de Atenas Brasileira, cidade onde se fala um português castiço, que não suprime as sílabas de suas palavras que são pronunciadas por inteiro.

Nesse desvario de palavras perdidas, restou-nos esse samba chinfrim, caçoado no jeito jocoso de contestar o inacreditável, que já o chamam de: o bostífero samba enredo, a diarréia do beija flor, o samba dos 12 crioulos doidos, dentre outros, seguindo-se na trilha dessa merdice.

É preciso abrir alas, quando não se tem competência. Porque não utilizaram o samba enredo primoroso e antológico, Haja Deus apresentado no carnaval de São Luís, em 1979, pela Escola Flor do Samba, dos compositores maranhenses Chico da Ladeira e Augusto Tampinha. Teríamos sido poupados desse vexame, com a vantagem de prestar uma homenagem com respeito, veneração e com arte poética, digna do que a cidade e o seu povo merecem.

O mais grave disso tudo é saber que essa ópera do besteirol irá nos custar R$10 milhões, ou mais vai saber. Dinheiro público, dinheiro do povo. Esta é a questão inquietante que nos preocupa e nos indigna.

Ah! Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, que ritmo é esse que estão a querer que dancemos, se ignoraram as nossas próprias origens e não tiveram o respeito e a responsabilidade de buscar o apuro naquilo que se propuseram a fazer. Esse ritmo é do samba sem enredo, sem história, sem musicalidade, sem refrão e sem poesia, que se traduz no samba dos versos de pé quebrado. E, com o pé quebrado não se samba.


Por: Darci Honorato – Administradora

Texto extraído do Jornal Pequeno dia 04/12/2011

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