quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um Ministério de Deputados, para Deputados e gerido por um Deputado

Por Claudio Magnavita*

A Operação Voucher completa hoje um ano. Foi no dia 9 de agosto de 2011 que o Brasil acordou com a notícia da prisão de dirigentes do Ministério do Turismo e mais duas dezenas de pessoas.

Foi o agosto negro do turismo. Os efeitos da operação são sentidos até hoje. O curioso é que os escândalos só chegaram até uma camada. A essência do problema ainda continua viva na forma que o Ministério do Turismo foi barganhado politicamente.

Sabem o que estava por trás dos escandalosos convênios do Amapá? Emendas parlamentares da deputada Fátima Pelaes (PMDB/AP). A deputada geriu a alimentação dos convênios com suas emendas. Alguma coisa foi feita? Ela foi levada para a Comissão de Ética da Câmara? Teve o seu mandato cassado?

Com a sua imunidade parlamentar ela está livre, leve e solta e os pobres mortais tragados pela teia das suas emendas foram jogados no purgatório.

Se for colocado uma lupa na farra das emendas parlamentares destinadas a eventos no Ministério do Turismo, o estrago será maior que o Mensalão.

As denúncias levadas ao ar há duas semanas pelo Programa Fantástico, da Rede Globo, que fala da Operação Pão e Circo, na qual a Polícia Federal prendeu diversos prefeitos que superfaturavam eventos juninos e carnavalescos irrigados com dinheiro do Ministério do Turismo, tem uma só fonte: emendas parlamentares.

Através deste mecanismo de superfaturamento denunciado pela Rede Globo e comprovado pela Polícia Federal, essas emendas passaram a alimentar financeiramente campanhas e até o bolso de alguns expertos.

Na prática, o Ministério do Turismo se transformou em uma máquina de irrigar localidades pseudoturísticas a pedido de deputados federais que conseguem, principalmente na área de eventos, uma contabilidade mágica que parece atender objetivos nebulosos.

A farra foi tão grande que o Ministério, que antes servia os deputados, passou a ser gerido pelos próprios deputados. Com o acordo que conferiu a indicação do titular aos deputados federais do PMDB, o Ministério passou a ser dos deputados, trabalhado para os deputados e gerido por um deputado.

Na verdade, o turismo que se lixe! O importante é gerir o atendimento das emendas que quintuplicam o orçamento do Ministério. Ao todo, 75% do tempo do ministro e deputado Gastão Vieira é gasto para atender seus colegas do Parlamento.

As atividades fins do Ministério ficam literalmente para o segundo plano. Aqueles que defendem o turismo e querem que o Ministério cumpra a sua atividade fim, são considerados os chatos de plantão, ou seja, aqueles que atrapalham o atendimento carterizado dos parlamentares. Tudo isso com a anuência da Secretaria de Relações Institucionais – SRI , que, de acordo com as votações, envia a lista dos parlamentares que podem ou não ser atendidos.

Ao controlar a torneira que irriga ou não os parlamentares, de acordo com as votações pró-governo, edita-se de forma camuflada algo parecido com o Mensalão. A essência deste escândalo não era a compra do voto pago com dinheiro público?

Por ter um orçamento minguado, perante outras pastas mais robustas, o caso das emendas no Ministério do Turismo fica mais visível. O que começou como uma estratégia sadia para alimentar o caixa de um ministério recém-criado, transformou-se em um monstro. Um monstro feroz que acabou engolindo a própria máquina.

Quando o MTur foi entregue na partilha do Governo aos deputados, ele foi aceito de bom grado, porque nele já existia o nascedouro desta operação. Quem comandava a máquina das emendas: Frederico Costa, que entrou na pasta trazido pelo PTB, na mesma época que Emerson Palmieri, um dos pivôs do Mensalão e tesoureiro do partido foi para a Embratur.

O que fez na sua Frederico na sua meteórica carreira? Descobriu que poderia ter uma atuação intensa no Parlamento e começou a fazer isso de forma discreta. Ele era a pessoa mais adorada na Câmara Federal. Quando estourou o escândalo da Operação Voucher, o silêncio de Fred passou a valer ouro. O então ministro Pedro Novais trouxe para si a responsabilidade da escolha de Costa, omitindo que o seu nome havia sido ungido por estrelas do Parlamento que se deliciavam com a facilidade com que este jovem, de voz quase de cúria, conseguia liberar as emendas e irrigar o esquema de atendimento parlamentar. Tudo isso com uma agilidade incrível.

É preciso ressaltar que na área de infraestrutura, de obras, o MTur tem como avalista a Caixa Econômica Federal, que cuida de medir o que foi contratado e faz as liberações mediante intensa fiscalização. Trata-se de um processo superauditado, que só permite algum esquema de remuneração transversa, quando há o cruzamento do dono da emenda com a empreiteira contratada. Existem casos que a construtora beneficiada pela obra acaba virando doadora da campanha do autor da emenda. Margens pequenas, mas imorais. No caso de eventos, as margens são maiores. Bem maiores. E as fraudes são facilmente identificadas.

Existem hoje milhares de processos ligados à área de eventos que estão no limbo. Eles repousam na Secretaria Nacional de Políticas do Turismo MTur esperando que se coloquem a lupa neles.

O maior pecado do Frederico Costa foi passar a operar as emendas na área de qualificação. Setor, aliás, que foi levado pelo atual ministro Gastão Vieira para o seu gabinete.

O escândalo do Ibrase, que resultou na Operação Voucher, ocorreu na migração de um programa sério, o Bem Receber Copa, realizado por entidades sérias para formar mão-de-obra para a Copa do Mundo, para o nebuloso mundo das emendas. Como resultado disso, assistimos a atual gestão jogar no lixo todo o investimento de qualificação do Governo Lula, sem a capacidade de separar o joio do trigo. Mas como ter coragem de fazer isso, se o joio tem como origem o próprio Congresso?

O deputado Gastão Vieira chegou ao Ministério no susto. Virou ministro depois do almoço. Acordou na planície e à noite já estava no Planalto. Virou ministro em menos de 12 horas.

Como deputado, ele não teve dificuldades para compreender que passava a ser o gestor da pasta que foi entregue aos seus colegas na Câmara. Para ser feliz basta atender os parlamentares. O MTur, apesar de um pouco chamuscado, continua sendo a vaca leiteira que transforma as emendas em recursos reais. Quando deixar o Ministério, ele poderá contabilizar na Câmara, ou no Senado, para onde sonha ir, o quanto foi generoso com seus pares. E o turismo? Ah, é? Existe uma atividade fim que serve de escudo para tanto atendimento parlamentar. Esta atividade que procure musculatura suficiente para se organizar. Aliás, nestes últimos 12 meses, o turismo já compreendeu que não pode depender de um ministério parece existir só na ficção. Que tem um Conselho Nacional formado por chatos, que atrapalham a atividade principal que é a de atender parlamentares, que reclamam muito e que são ouvidos por poucos. Estes pobres coitados que se virem. Aliás, para que mesmo eles precisam de um ministério do turismo?

O irônico disso tudo é que foi um deputado, o Pedro Novais, que não foi nem citado pelo Gastão no seu discurso de posse, que passou quase oito meses colocando ordem na casa e regulamentando a atividade turística. Enquanto o secretário-executivo escolhido pelo seu partido, Frederico Costa operava com os deputados e fazia a gestão nebulosa das emendas, coube apenas a Novais, para não virar rainha da Inglaterra, cuidar do Turismo. No final ele acabou tragado pelo redemoinho da Operação Voucher. Mas quem diria? Aqueles chatos que estão no Conselho Nacional de Turismo já sentem saudades de Novais.

Um ano depois da Operação Voucher, a sensação é que o expertíssimo ministro Gastão Vieira colocou ordem na sua parte da casa, para a felicidade da Câmara. Temos hoje um deputado que trabalha para os deputados, no ministério entregue para os deputados. Como diria João Ubaldo Ribeiro: Viva o Povo Brasileiro!

Cláudio Magnavita é presidente do Jornal de Turismo e “um dos chatos” integrantes do Conselho Nacional de Turismo.

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