sábado, 5 de novembro de 2011

O Maranhão francês sempre foi forte e líder

*Antonio Noberto

O Maranhão é pioneiro. Ainda nos anos mil e quinhentos, a Ilha Grande, então Upaon-Açu, era o principal porto e lugar de comércio do Brasil setentrional. Nativos e estrangeiros, principalmente franceses, comercializavam e patrocinavam uma linha quase regular de navegação “entre Dieppe e a Costa Leste do Amazonas”. No último quartel daquele século, o que era apenas um posto de comércio, sem maior raiz, tornou-se morada definitiva dos corsários gauleses, vindos de Dieppe, Saint-Malo, Havre de Grace e Rouen, que aqui deixavam seus trouchements (tradutores) que viviam simbioticamente com os tupinambá (escreve-se sem “s” mesmo). Entre estes estava David Migan, o principal líder francês desta época. Ele era o “chefe dos negros” (índios) e “parente do governador de Dieppe”. Tinha a seu dispor cerca de vinte mil guerreiros silvícolas e residia na poderosa aldeia de Uçaguaba (atual Vinhais Velho), apelidada de Miganville. Vale lembrar que, nesta época, o último reduto português era a fortaleza do Natal, edificada em 1599 por Mascarenhas Homem com a participação de Jerônimo de Albuquerque. Todo o Brasil setentrional estava completamente abandonado pelo colonizador luso e, portanto, nas mãos de comerciantes de outras nações, aí também incluídos ingleses, holandeses, espanhóis, escoceses, dentre outros. Este abandono fez o historiador maranhense João Lisboa declarar no livro Jornal do Tímon que os franceses não invadiram o Maranhão. Eles ocuparam uma terra vaga, desabitada, e que os donatários régios de Portugal e Espanha estavam sujeitos às penas de comisso, pois já se passara mais de um século sem as terras terem sido ocupadas. Na virada do século, segundo o padre e cronista Luis Figueira, que escreveu sua penosa saga na Serra de Ibiapaba, os franceses no Maranhão contavam, inclusive, com “duas fortalezas na boca de duas grandes ilhas”. Uma destas fortificações, por certo, era o Forte do Sardinha, localizado no atual bairro Ilhinha, nos fundos do bairro Basa em São Luís. Esta, em mãos portuguesas, foi nomeada de Quartel de São Francisco, que deu nome ao bairro. Servia de proteção ao lugar, em especial, a Uçaguaba, reduto de Migan.

Os corsários franceses deste período não descansavam. Jacques Riffault, Charles des Vaux, David Migan e Adolphe de Montville, na companhia de centenas de outros navegadores e selvagens de diferentes tribos, se faziam presentes nos mais diversos recantos do Norte e Nordeste brasileiro, geralmente entre o Potengi e o Amazonas. O interior do Maranhão era bem conhecido por eles. O Mearim, Itapecuru, Munim, Grajaú, Tocantins e tantos outros eram vias utilizadas que ligavam o interior maranhense com o litoral e a Europa. Nos outros recantos, a história faz menção a eles no constante comércio com os potiguara, no porto do Rifoles – na margem direita do Rio Potengi, onde foi construída a Base Naval Brasileira em 1941, nomeada inicialmente de Base Naval do Rifoles –; nos dois ataques à Fortaleza do Cabedelo, na Paraíba, realizadas em 1591 e 1597. Nesta última, Migan foi gravemente ferido, mas sobreviveu. Foram eles que fundaram o núcleo urbano de Viçosa do Ceará, sendo que a cidade ainda hoje conserva os topônimos do legado francês. As duas principais ruas da cidade são: José Siqueira ou Rua Paris e Rua Pedra Lipse, que acessa o principal ponto turístico do município, a Igreja do Céu. O Pará e o Rio Amazonas eram lugares bem conhecidos destes navegadores. Quando Francisco Caldeira Castelo Branco partiu do Maranhão para fundar Belém (1615) levou consigo Des Vaux e Rabeau para auxiliarem na navegação e nos primeiros contatos com os índios de lá.

No período fundacional a liderança continuou, desta feita, em mãos oficiais, através dos Generais Daniel de La Touche de La Ravardière, François de Razilly e Nicolas d’Harlay. No Maranhão e terras vizinhas não se fazia guerra a outras tribos sem a aprovação dos ditos generais. A partir da França Equinocial o Maranhão passou compreender parte do Ceará (desde o Buraco das tartarugas – Jericoacoara), o que foi referendado pelo governador geral do Brasil e, poucos anos depois, quando da divisão do Brasil, em 1621, estendendo o território até o Mucuripe, serviu de marco para a criação do Estado do Maranhão, com capital em São Luís compreendendo ainda o Ceará e o Grão-Pará. Tal divisão era praticamente igual aos limites extra-oficiais do empreendimento capitaneado por La Ravardière.

Hoje estes lugares freqüentados pelos franceses fazem marketing de graça para o Maranhão, pois conservam esta história através da literatura e do turismo. Na Fortaleza de Santa Catarina (antigo Forte do Cabedelo-PB) nos panfletos distribuídos aos visitantes, constam os ataques franceses ao lugar. Em Viçosa do Ceará (lembre-se que o Ceará não nasceu no litoral, mas em Viçosa em razão das investidas gaulesas ao local) os principais livros de história são fiéis a este momento. De um deles transcrevemos: “a ocupação de Viçosa teve início quando os franceses vindos do Maranhão em 1590... estabeleceram um núcleo urbano com o apoio das tribos da Serra Grande”. Em Belém, no Forte do Castelo, marco inicial do estado, hoje transformado em museu, um dos painéis mostra a precedência de Daniel de La Touche na região, o estabelecimento da França Equinocial para, em seguida, surgir a capital paraense.

E não parou por aí. No século XIX França e Inglaterra ditaram muito dos modos e costumes dos maranhenses, que mantinham com seus gostos e gastos duas colônias estrangeiras. Vivia-se o conforto inglês e o luxo francês. Muitos comerciantes afluíam de diversas regiões para comprar “o que de mais novo chegava de Paris no último vapor”. O comércio caminhava a reboque dos ideais iluministas que faziam a cabeça da população. E esse modelo alienista foi implantado porque os jovens das famílias abastadas “iam, não raro, formar-se na Inglaterra e na França” (SPIX e MARTIUS, 1981, p.246), prevalecendo, contudo, o modo de vida copiado de Paris.

Era de São Luís que “exalavam os ares de civilização” para toda a parte norte do Brasil, pois não era de se admirar que os estrangeiros a vissem como a quarta cidade brasileira, “a Princesa em meio à Plebe das cidades nortistas.” (TOURINHO, 1990, p.23), e para onde inúmeros visitantes, com os mais diversos interesses, afluíam. Por conveniência, citamos o que nos conta George Gardner em seu livro “Viagem ao Interior do Brasil”, onde menciona que um amigo seu, vindo de Oeiras, então capital da Província do Piauí, “embora major do exército era negociante e tinha vindo comprar mercadorias européias” em São Luís.

Nossa história, por si só, responde a alguns questionamentos sobre o perfil histórico dos maranhenses, em especial, dos ludovicenses. Tanto luxo e abastança têm raízes muito antigas, não é de hoje. Não é à-toa que temos o casario mais pomposo do Brasil colonial. Refiro-me não a quantidade, mas a qualidade dos edifícios. Observemos os de Recife e Salvador, por exemplo. Não é por acaso que novelas (Da cor do pecado) e filmes (Carlota Joaquina), que retratam o período colonial, foram gravados em São Luís. O coroamento de tudo isto veio na frase do francês Paul Adam no início do século passado ao chamar São Luís de “A cidadezinha dos palácios e porcelana” – La petite ville aux palais de porcelana.

Nas últimas décadas, mesmo sem apoio governamental, esta história insiste em não morrer. Como certa vez disse o historiador Mário Meireles “A maior presença de franceses em São Luís é a prova material de que a França Equinocial nunca acabou”.

Com tantas possibilidades de geração de emprego e renda através da história e do turismo, é contraditório andarmos “com o pires na mão” mendigando a demanda alheia, como se fôssemos um não lugar, sem história e sem rumo.

O quadricentenário é o melhor momento para resgatarmos nosso papel de líder, ao menos no cenário regional. São Luís tem plenas condições de ter políticas de turismo próprias, trabalhando em parceria, porém sem esquecer que o cetro da liderança continua a nosso dispor. A um estalo de dedos.

Um pouco de visão e coragem poderá fazer toda a diferença.

*Pesquisador, consultor em turismo, Membro do Conselho diretor da Aliança Francesa de São Luís e sócio-efetivo do IHGM – Patrono Tasso Fragoso.

Um comentário:

  1. Meu caro Noberto,
    Seu relato histórico sobre a fundação da cidade de São Luís pelos franceses, é de grande valia. É indiscutível que nossa capital tenha sido por eles fundada, conforme sobejamente confirmado em antiqüíssimos e chancelados apontamentos. Essas supostas dúvidas sobre a veracidade dos fatos, como hoje aceitos, apenas lançam a intranqüilidade no espírito da população e sérios prejuízos à credibilidade necessária ao apelo turístico. Não o turismo em busca de praias, novidades arquitetônicas ou apenas culinárias, mas o turismo que procura a história de um povo que tanto tem a oferecer e ainda vive alienado pelo poder público. Ninguém irá a São Luís apenas para admirar nossas praias, nossos belos e modernos edifícios; para degustar os saborosos pratos regionais. O valor do turismo na Ilha deverá ser centrado principalmente na sua origem - única capital brasileira fundada pelos franceses -, no seu admirável e único conjunto arquitetônico colonial. Para que isso aconteça com a pujança que todos pretendemos, temos de parar com essa absurda tentativa de desmitificar algo que não é mito, mas um fato comprovado por documentos históricos, e manter cada vez mais viva a história e o patrimônio que nos foi legado pelas gerações que nos antecederam. Parabéns, Noberto, continue atuando nessa linha.

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