quinta-feira, 22 de março de 2012

França Equinocial

No ano de 2002 a professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix publicou o livro “A fundação francesa de São Luís e seus mitos”. Embora acreditando no melhor dos propósitos que nortearam o trabalho da respeitável e ilustrada autora, sou da opinião de que a tese por ela defendida apenas se tem prestado a despertar dúvidas entre a população pouco esclarecida, que quase nada conhece sobre a fundação da cidade de São Luís. De uma forma geral, não são muitos aqueles que atualmente possuem o hábito da leitura em nossa antiga Atenas Brasileira. Muito menos a leitura investigativa, como seria o caso de procurar entre os registros bibliográficos o que de verdade ocorreu durante os primórdios de nossa colonização. Assim, com pouca chance de estar enganado, creio que serão facilmente influenciáveis pelas opiniões que surjam no seu dia a dia, vindo a consolidar um falso ponto de vista.

Desde o descobrimento, em virtude do extenso litoral brasileiro, as atenções dos portugueses se voltaram quase que absolutamente para as terras localizadas abaixo de Pernambuco. A região extrema norte e o meio norte, onde situo o Maranhão, viveu por muito tempo totalmente esquecida e abandonada.

Com terras férteis e abundantes em madeiras de lei, era cobiçada por piratas, corsários e outros aventureiros de além-mar, que ali também vislumbravam a possibilidade de descobrir jazidas de ouro ou outros minerais preciosos. Entre esses, Charles des Vaux certamente foi o que mais se destacou. Depois de um naufrágio nas costas do Maranhão, ali morou por longos anos, angariando a simpatia da população indígena. De volta a Paris, convenceu Henrique IV que valia a pena investir naquelas paragens. Isso só veio a acontecer depois da morte do monarca, quando já ocupava o trono a rainha regente Maria de Médice, em face da menoridade de Luís XIII, rei de França e de Navarro.

Em março de 1612, por determinação da referida rainha, Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, partiu com sua frota de três navios do porto de Cancale, para o novo continente, com a missão de fundar a ambicionada França Equinocial.

Depois de desembarcarem em Upaon-Mirim, que foi por eles batizada de Sant’Ana, dirigiram-se para a ilha de Upaon-Açu, que tomou o novo nome de São Luís, em homenagem ao pequeno rei de França,  e como ainda hoje é conhecida. Ali decidiram estabelecer-se e erguer os fundamentos de uma futura cidade. Seria a sede de seus novos domínios. Procederam aos rituais que de costume caracterizavam a posse de uma região, mandando construir uma enorme cruz de madeira extraída das matas pelos nativos, celebrando as cerimônias religiosas católicas em nome da coroa francesa, erigindo um forte igualmente de madeira, capela, um grande armazém e outras construções provisórias necessárias. Fizeram incursões pelo interior da ilha, onde detectaram a existência de 27 aldeias indígenas, e conseguiram, com suas maneiras refinadas, conquistar a admiração dos seus principais e de toda a população aborígene. Empreenderam também excursões mais distantes ao longo da costa maranhense. Tudo isso sem molestar a população nativa, como mais tarde, reconhecidamente, fizeram os portugueses. Esse tipo de tratamento perdurou, pelo que se consegue apurar, até a retirada dos gauleses das terras maranhenses.

Decorridos três anos de ocupação, os portugueses, inconformados com o que se passava naquela região do país, decidiram pela expulsão dos franceses e retomada das terras que se encontravam ocupadas.

Foi o intrépido guerreiro Jerônimo de Albuquerque que, oriundo de Pernambuco, depois de renhida batalha, conhecida como “de Guaxenduba” , conseguiu surpreendentemente desbaratar a mais forte e preparada frota de navios dos franceses. Estes, apesar de derrotados, ainda tiveram a dignidade de socorrer aos portugueses que, feridos e sem alimentos, encontravam-se em difícil situação para minorar seus sofrimentos. Os dois comandantes militares mantinham constante entendimentos o que tornou fácil o envio de médicos e remédios aos pontos ocupados pelos adversários lusitanos.

Foi firmado um armistício entre as tropas dos dois países, até que a decisão final fosse tomada pelas suas metrópoles europeias. Apesar da pouca distância que mantiveram entre si, trataram-se com respeito, sem hostilidades, os franceses em seus navios e os portugueses em terras próximas à atual cidade de Icatu, às margens da baía de São José de Ribamar.

Eis que em novembro de 1614, furtivamente, o comandante português Alexandre de Moura, à frente de uma grande frota de navios, desconsiderando os termos da trégua firmada, ataca fulminantemente a combalida frota dos franceses. Sem condições de reagir, o Senhor de La Ravardière deu-se como vencido e ficou à mercê do agressor.

No dia 3 de novembro de 1615 é oficialmente entregue o Forte de São Luís a Alexandre de Moura. No mesmo mês, provavelmente em uma fortaleza conhecida por Sardinha, na Ponta de São Francisco, o vencido Ravardière foi forçado a assinar um humilhante termo de rendição. Naquele momento entregou-se à vontade dos vencedores, viajou com o comandante inimigo para Pernambuco e mais tarde foi conduzido a Portugal, onde ficou encarcerado na Torre de Belém por cerca de três anos.

Jerônimo de Albuquerque Maranhão (sobrenome adotado após seu feito heróico), a partir daí e já empossado como capitão-mor, deu início às melhorias do núcleo habitacional. Manteve como ponto básico, entretanto, o mesmo local onde os franceses assentaram os fundamentos de suas construções. Reforçou e melhorou a fortaleza que, apesar da tentativa de mudar-lhe o nome para São Filipe, continuou conhecida como Forte de São Luís, tal como primeiramente batizada. E por São Luís também estendeu-se o nome até hoje à cidade ali fundada e à própria ilha. 

Foram apenas três anos que se passaram da chegada de La Ravardière à ilha até sua expulsão. Assim, as alegações de que nada deixaram de permanente para comprovar que tenham fundado a cidade não procede.

Como poderiam realizar obras de envergadura em tão pouco tempo? Somente no século passado, no Brasil, por iniciativa de um denodado presidente da república de nome Juscelino Kubitschek de Oliveira, em apenas cinco anos conseguiu a façanha de construir e transferir a capital do país para uma cidade planejada – Brasília. Algo totalmente impossível nas condições e época em que foi fundada a França Equinocial.

Bom seria que esse trabalho de formiguinhas que alguns historiadores desenvolvem para modificar algo consolidado e há muito aceito como a pura realidade fosse abandonado para sempre. De resto, o que resultaria de positivo para nossa capital o sucesso de seu propósito? Ao nosso pobre estado que, além de suas abandonadas relíquias arquitetônicas, pouco ou nada possui que cause orgulho à sua sofrida população, restaria a desmoralização, exposição à galhofa e mais um motivo para envergonhar-se.

Que se deixe nossa História em paz, do jeito que é conhecida e respeitada por toda nação, e comemoremos com festas e dignidade os quatrocentos anos de fundação da linda São Luís do Maranhão.

J.R Martins - Brasília/DF

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