quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A mea culpa divina!


Milhares de anos depois de sua mais espetacular façanha, Deus desabafa com São Pedro:
- Estou profundamente arrependido de ter criado o Ser humano. Não imaginava que ele fosse me desapontar tanto…
- Quer que eu o destrua com a força das intempéries? Tu me concedeste poderes para isso…
- Não acho justo, Pedro, até porque parte da culpa é minha. Quando criei o Mundo e suas maravilhas, dei de mão beijada para a minha criatura, sem impor qualquer limite. Permiti que meu filho se achasse o centro do Universo, subjugando a tudo e a todos. Agi como um pai que mima demais a cria e acaba criando um mostro. Está tudo registrado em Gênesis 1:28:
“ Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”
E continuou:
-Eu deveria ter exigido um controle de natalidade. Este formigueiro humano que vemos daqui de cima, não pára de crescer. Daqui a menos de 40 anos, eles serão quase 9 bilhões. E vão precisar de mais um planeta, pois o “playground” chamado Terra estará saturado. O consumo dos recursos naturais ocorre em velocidade muito maior do que aquela com a qual a natureza consegue renová-los.




Em nome do livre arbítrio, permiti que a humanidade transformasse a Casa que doei num poço de degradação. Deveria ter estabelecido uma espécie de contrato de locação da Terra, como hoje sugere um dos meus filhos, Luís Fernando Veríssimo. No Juizo Final, eu teria o planeta de volta, como o criei naquela fatídica semana, ou todos os estragos feitos seriam contabilizados e cobrados!
Perdi as contas de quantas florestas foram extintas... e continuam desaparecendo: 200 quilômetros quadrados de mata por dia. Já nem sei mais quantas espécies sumiram, quantos mares, lagos e rios apodreceram ou secaram, quantas toneladas de lixo profanam a minha obra ....
Até o jardim do Éden, a minha mais perfeita relíquia natural, a primazia, foi tomado pelo cinza do concreto...
E esse filho desnaturado ainda argumenta que explorou minas, escavou crateras e ergueu termoelétricas para levantar lindas e douradas catedrais de adoração a mim....Não tem idéia do valor dos bens da Natureza!



- Ainda é hora de mudar o rumo dos acontecimentos, oh, Todo Poderoso! Deixe que eu acabe com esta raça, ao tempo em que o Senhor pensa em outra criatura pra por no lugar, disse Pedro.
-Mas há alguns exemplares da raça humana que merecem ser poupados, Pedro. Não posso me sentir ainda mais culpado pela morte dos inocentes.
- Então, vamos reeditar o que está escrito em Gênesis 7:17:
“O dilúvio caiu sobre a terra durante quarenta dias. As águas incharam e levantaram a arca, que foi elevada acima da terra”
- Boa idéia! Mas a arca precisa ter espaço para pessoas comprometidas com as causas ambientais e sociais…os justos e retos de coração. Deixarei à seu critério o embarque dos escolhidos.
São Pedro utilizou as armas produzidas pelo próprio homem para por em prática o cataclisma moderno. Usou as 90 milhões de toneladas de carbono, lançados diariamente na atmosfera, para derreter as geleiras e calotas polares. O nível dos oceanos subiu e fez submergir as cidades costeiras. O aquecimento provocado por CO2 e metano aumentou a extensão dos desertos. Secas causticantes se abateram sobre extensas áreas. Tempestades e furacões devastaram outras. Tsunamis, ciclones, ondas de frio e de calor…
Mas o plano de exterminação de grande parte da humanidade fracassara.
- Deus, já usei todos os meu poderes, lacei toda a fúria das águas e do fogo sobre esse povo ingrato, mas não consigo dizimá-los. É uma praga que não pára de se reproduzir. Eles tem uma poderosa arma de sobrevivência chamada Tecnologia, capaz de criar maravilhas. Operam verdadeiros milagres!
- Pois é, Pedro, fui eu mesmo que o coroei com estes poderes. Está lá em Gênesis 1:27:
“ E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.
E concluiu:
-Pedro, façamos diferente. Deixe que a própria Gaia se encarregue da vingança contra os humanos. Eu desisto. Vá para Marte e despeje muita água por lá. Leve também plumas de metano para sua atmosfera e inicie uma vida microbiana na superfície. É no Planeta Vermelho que vou refazer o meu plano de criação, onde cada habitante saberá de cor a Lei do inquilinato e o preço impagável da indenização pelos estragos!

Fonte: Blog Rosana Jatobá - http://g1.globo.com/platb/rosanajatoba

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